A prática de cerzir não possui regras, remende o que quiser do jeito que quiser.
Acsa Freire
Cerzir (darning em inglês) é uma técnica de remendo de peças de vestuário e é uma prática que vem crescendo ao longo dos anos devido ao consumo consciente, ao impacto da indústria têxtil no meio ambiente e, também em função da criatividade e trabalho manual, elementos necessários no darning, que por sua vez, traz um impacto positivo ao mercado de artesanato.
Em entrevista com a designer têxtil Hikaru Noguchi, de Tóquio no Japão, é possível notar a importância do cerzido não apenas como um hobby, mas também como uma profissão.
Especializada em design de malhas, Noguchi fundou sua empresa Hikaru Noguchi Textile Design há trinta anos, porém só há dez é que começou a implementar o cerzido em seus trabalhos, e isso teve influência da designer inglesa Rachael Matthews que a apresentou o darning como ferramenta criativa para remendar peças de vestuário, mostrando que cerzir uma peça não significa deixá-la igual a versão original, mas transformá-la de acordo com a necessidade e criatividade do artesão. E para Noguchi o que começou como um hobby, remendando roupas para os filhos, tornou-se uma oportunidade no mercado de artesanato:
“Comecei a consertar peças de roupa para meus filhos, eu costumava fazer isso enquanto os observava fazer a lição de casa”.
Porém depois de usar um de seus lenços, produto final de um trabalho de darning, seus amigos sugeriram que Noguchi desse aulas de como cerzir em Tóquio e, assim, anos depois ela começou a vender suas próprias ferramentas e guias sobre como iniciar na prática.
De acordo com Noguchi, tendo em mente o impacto econômico, o cerzido pode ser um meio de conscientizar as pessoas a não comprarem tantas roupas novas, uma vez que não é necessário descartar ou deixar de usar uma peça apenas porque está danificada, além de incentivar o mercado de ferramentas para o trabalho em questão, como linhas, fios, agulhas e cogumelos de cerzir (ferramenta utilizada na prática do remendo). Com o crescimento do fast fashion, principalmente em países como o Japão, é necessário que as pessoas percebam o desperdício que é comprar roupas novas em excesso. Ela também diz que:
“Jogar fora e produzir roupas é prejudicial ao meio ambiente, então espero que a prática de cerzir possa ser uma forma de prolongar a vida útil das roupas”.
Se o cerzido pode mudar o comportamento de compra das pessoas para que comprem menos, é de se esperar que as grandes marcas percebam essa mudança e reavaliem suas vendas e métodos de produção para serem menos prejudiciais ao meio ambiente.
Além do impacto econômico, cerzir é uma ótima prática para aqueles que desejam um passatempo que lhes dê um momento para relaxar mentalmente e aproveitar o tempo. “O Covid-19 tem sido um período para as pessoas refletirem sobre seus estilos e escolhas de vida e o darning não apenas atuou como um passatempo agradável para lidar com os vários bloqueios e tempos de isolamento, como também foi uma oportunidade para as pessoas se expressarem de maneira criativa”, diz Hikaru Noguchi.
Durante um período de incertezas, cerzir pode trazer satisfação e proporcionar alegria. “Esse período foi bom para mim, pois comecei a realizar sessões de cerzido ao vivo através de lives na plataforma do Instagram, bem como a dar aulas de cerzido no Zoom, o que me permitiu me conectar com pessoas de todo o mundo e, sinto que cerzir pode ser uma ótima maneira de aproximar as diferentes gerações de uma família, pois pode ser uma boa coisa para compartilhar com seus filhos como uma atividade prática e divertida, além de que pode ajudar a preservar uma roupa e também permitir que ela seja passada de geração em geração, criando uma ponte entre pais, filhos, netos e talvez além”, diz a designer.
Quando perguntada sobre como o darning é visto no Japão, Noguchi diz que infelizmente essa ainda não é uma prática tão comum em seu país, pois após a guerra, consertar roupas era visto como um sinal de pobreza à medida que o Japão crescia economicamente, então as pessoas puderam comprar roupas novas, o que se tornou a imagem “limpa” padrão da moda japonesa, mas que apesar disso, o Japão tem uma cultura de aproveitar ao máximo os pertences e evitar desperdícios, o que em seu idioma é reproduzido pela expressão “mottainai”, podendo ser similar à nossa expressão “Que desperdício!”, além de que as discussões sobre questões ambientais e econômicas tornou as pessoas mais conscientes sobre suas roupas e os efeitos de comprar num nível mais amplo.
Hikaru Noguchi também afirma:
“Eu sinto que ensinar cerzido nas escolas seria uma ótima maneira para os jovens aprenderem e entenderem o cerzido, pois como a costura é ensinada nas aulas de economia doméstica (disciplina comum nas escolas japonesas), seria bom para as crianças verem os usos práticos e os benefícios do cerzido”.
Na opinião da designer, a internet é uma ótima ferramenta para compartilhamento de ideias, então se as pessoas puderem ver outras pessoas se divertindo com cerzidos e sendo criativas, é possível esperar que a prática possa se espalhar e crescer organicamente, criando novos entusiastas. “Também quero que as pessoas lembrem que o objetivo do cerzido é expressar sua própria criatividade e não sentir que você deve seguir regras ou um processo rigoroso, pois sendo um processo feito à mão, alinhou-se com o slow-fashion e pode ser adaptado para atender qualquer padrão da indústria da moda e trabalhar com diferentes estilos ou peças de vestuário à medida que aprendemos mais sobre diferentes culturas e práticas culturais, então acredito que o cerzido pode ser aplicado ao tipo de moda de qualquer país para combinar com qualquer necessidade estética”, afirma Noguchi.
A designer também deixa uma dica para quem quer começar na prática:
“Cerzir pode ser muito experimental e você pode fazê-lo da maneira que desejar, então remende o que você quiser da maneira que quiser”.
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